domingo, 5 de dezembro de 2010

FALA O ESCRITOR NUNO LOBO ANTUNES


“Na história da minha existência estão cravados os anos que passei nos EUA como especialista em Neuro-Oncologia pediátrica. Após sete anos de intensa vida hospitalar, em que a violência das emoções atingia, todos os dias, dimensões de drama, a vida surge distorcida. Era um dia-a-dia de derrotas. Em que mesmo as vitórias não podiam ser inteiramente celebradas, porque a eminência de uma recaída pairava até ao fim da vida. Lembro-me que de férias em Portugal, admirava as crianças a brincar na praia porque já me tinha esquecido de que podiam ser felizes e saudáveis. Em cada cara buscava sinais de dor, em cada corpo estigmas de quem sofreu os efeitos da doença ou do seu tratamento.
Muitos me perguntavam como era possível conviver diariamente com o desgosto. A resposta é simples: é um privilégio poder conhecer a humanidade no seu melhor, na Coragem, mas sobretudo, no Amor. Os médicos e enfermeiras com quem trabalhava eram santos, porque, como alguma vez ouvi, os santos não se vêem todos da mesma maneira.
Quero-lhes agradecer. A todos. Falo dos doentes que durante anos tive o privilégio de conhecer e de tratar, e de quem tanto recebi. Foram-se os nomes, na memória restam imagens, como fotografias que o tempo, pouco a pouco desvanece.

EPÍLOGO
Todas as histórias merecem um fim. Ponto final que sossegue, garantia de que a vida prossegue, de que a narrativa não passa por nós. É estranho, mas cada vez mais me dou conta de que ao passar esta curva estou na recta final. Da vida claro, e que estas histórias me dizem respeito, e que ao fechar o livro, me fecho a mim. Mais leve, é certo, mais livre também.
Cada página que escrevo vai numa garrafa de náufrago lançada da praia. Carta solitária suplicando resgate. Uma vida à deriva. A outra praia qualquer chegará a mensagem. Alguém que passeia, curioso, abre a garrafa, lê a carta e, espantado, vê-se ao espelho e reconhece o autor.
É preciso afirmar aquilo em que se acredita. É preciso usar as grandes palavras: fé, amor, vergonha, coragem. É preciso dizer que a paixão, mais que a razão, redime e nos torna em santos.
E sem pudor dos afectos, confessar que sinto muito.”

“Alma a nu, sentimento despido de pudor.”

“O amor como razão de ser e de viver.”

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

BREVES CONSIDERAÇÕES DA MATILDE

Demorei algum tempo a ler o livro SINTO MUITO, faltava-me a coragem para virar as folhas. Deixava passar alguns dias e retomava a leitura, e, a pouco e pouco, fui-me deixando envolver pelas experiências relatadas. Há uma frase na capa do livro que me prendeu a atenção: “A vida é o tempo entre parêntesis”. A vida é o percurso mais ou menos limitado entre o nascer e o morrer, è indefinição, expectativa, a qualquer momento podemos ser surpreendidos com os imprevistos. Vivemo-la na rotina do dia-a-dia, com as recordações do passado e as incertezas do amanhã. As histórias de vidas dolorosas contadas neste livro por quem as viveu de perto, tocam a sensibilidade de qualquer um de nós, sobretudo quando os pacientes são crianças ou jovens. Procurar encontrar-se explicações para o sofrimento e assistir-se ao desmoronamento de projectos e ideais que dão continuidade à vida, é muito difícil de aceitar… À medida que ia lendo o livro fui tomando consciência dos sentimentos de revolta criados pelo desânimo e a incapacidade de conviver com as pequenas vitórias conseguidas e as muitas batalhas perdidas. A pouco e pouco vão-se criando defesas. O conformismo, que vai levar os pacientes e os familiares a aprenderem a viver um dia de cada vez, tentando acalmar assim, as incertezas do amanhã, mas que é logo combatido com o redobrar de forças e de ânimo quando os sinais apontam para um recuperação. De novo volta a vontade de sorrir, de fazer planos, de agradecer a Deus o milagre, quando muitas vezes já se tinha perdido a fé, porque vai haver de novo “tempo” para continuar a viver!
“Neste mundo tudo tem a sua hora; cada coisa tem o seu tempo próprio. Há o tempo de nascer e o tempo de morrer; o tempo de chorar e o tempo de rir …” (Livro de Eclesiastes 3:1,2,4).