domingo, 5 de dezembro de 2010

FALA O ESCRITOR NUNO LOBO ANTUNES


“Na história da minha existência estão cravados os anos que passei nos EUA como especialista em Neuro-Oncologia pediátrica. Após sete anos de intensa vida hospitalar, em que a violência das emoções atingia, todos os dias, dimensões de drama, a vida surge distorcida. Era um dia-a-dia de derrotas. Em que mesmo as vitórias não podiam ser inteiramente celebradas, porque a eminência de uma recaída pairava até ao fim da vida. Lembro-me que de férias em Portugal, admirava as crianças a brincar na praia porque já me tinha esquecido de que podiam ser felizes e saudáveis. Em cada cara buscava sinais de dor, em cada corpo estigmas de quem sofreu os efeitos da doença ou do seu tratamento.
Muitos me perguntavam como era possível conviver diariamente com o desgosto. A resposta é simples: é um privilégio poder conhecer a humanidade no seu melhor, na Coragem, mas sobretudo, no Amor. Os médicos e enfermeiras com quem trabalhava eram santos, porque, como alguma vez ouvi, os santos não se vêem todos da mesma maneira.
Quero-lhes agradecer. A todos. Falo dos doentes que durante anos tive o privilégio de conhecer e de tratar, e de quem tanto recebi. Foram-se os nomes, na memória restam imagens, como fotografias que o tempo, pouco a pouco desvanece.

EPÍLOGO
Todas as histórias merecem um fim. Ponto final que sossegue, garantia de que a vida prossegue, de que a narrativa não passa por nós. É estranho, mas cada vez mais me dou conta de que ao passar esta curva estou na recta final. Da vida claro, e que estas histórias me dizem respeito, e que ao fechar o livro, me fecho a mim. Mais leve, é certo, mais livre também.
Cada página que escrevo vai numa garrafa de náufrago lançada da praia. Carta solitária suplicando resgate. Uma vida à deriva. A outra praia qualquer chegará a mensagem. Alguém que passeia, curioso, abre a garrafa, lê a carta e, espantado, vê-se ao espelho e reconhece o autor.
É preciso afirmar aquilo em que se acredita. É preciso usar as grandes palavras: fé, amor, vergonha, coragem. É preciso dizer que a paixão, mais que a razão, redime e nos torna em santos.
E sem pudor dos afectos, confessar que sinto muito.”

“Alma a nu, sentimento despido de pudor.”

“O amor como razão de ser e de viver.”

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

BREVES CONSIDERAÇÕES DA MATILDE

Demorei algum tempo a ler o livro SINTO MUITO, faltava-me a coragem para virar as folhas. Deixava passar alguns dias e retomava a leitura, e, a pouco e pouco, fui-me deixando envolver pelas experiências relatadas. Há uma frase na capa do livro que me prendeu a atenção: “A vida é o tempo entre parêntesis”. A vida é o percurso mais ou menos limitado entre o nascer e o morrer, è indefinição, expectativa, a qualquer momento podemos ser surpreendidos com os imprevistos. Vivemo-la na rotina do dia-a-dia, com as recordações do passado e as incertezas do amanhã. As histórias de vidas dolorosas contadas neste livro por quem as viveu de perto, tocam a sensibilidade de qualquer um de nós, sobretudo quando os pacientes são crianças ou jovens. Procurar encontrar-se explicações para o sofrimento e assistir-se ao desmoronamento de projectos e ideais que dão continuidade à vida, é muito difícil de aceitar… À medida que ia lendo o livro fui tomando consciência dos sentimentos de revolta criados pelo desânimo e a incapacidade de conviver com as pequenas vitórias conseguidas e as muitas batalhas perdidas. A pouco e pouco vão-se criando defesas. O conformismo, que vai levar os pacientes e os familiares a aprenderem a viver um dia de cada vez, tentando acalmar assim, as incertezas do amanhã, mas que é logo combatido com o redobrar de forças e de ânimo quando os sinais apontam para um recuperação. De novo volta a vontade de sorrir, de fazer planos, de agradecer a Deus o milagre, quando muitas vezes já se tinha perdido a fé, porque vai haver de novo “tempo” para continuar a viver!
“Neste mundo tudo tem a sua hora; cada coisa tem o seu tempo próprio. Há o tempo de nascer e o tempo de morrer; o tempo de chorar e o tempo de rir …” (Livro de Eclesiastes 3:1,2,4).

domingo, 28 de novembro de 2010

"SINTO MUITO"

É o livro de Nuno Lobo Antunes , especialista em Neuro- Oncologia pediátrica, com textos que relatam experiências que ele viveu ao longo da sua carreira. No prefácio , de António Damásio, este diz : “SINTO MUITO é um título fabuloso, que nos remete, desde logo, para a prosa muitas vezes feliz e rigorosa do autor. Apesar de o cenário ser predominantemente nova–iorquino, a matéria é filtrada por uma sensibilidade portuguesa, tanto emocional como linguística, que a torna nova e sedutora. Quando é sincera, a expressão “sinto muito” não significa o mesmo que “lamento”. Esta última é uma expressão formal de lástima, a primeira acentua um sentimento devastador de perda.
A primeira vez que encontrei o Nuno Lobo Antunes, por impossível que pareça, foi há cerca de trinta anos, era ele ainda estudante de Medicina. Na altura, convencido que estava da minha capacidade de julgar as pessoas, previ-lhe uma carreira brilhante. Será possível insistir na justeza da previsão?
No entanto, não foi fácil, de início, ler este livro maravilhoso. De alguma forma, os ensaios lêem-se como se de “memórias” se tratassem, e entrar nas memórias de alguém que se conhece é o mesmo que ouvir, de forma acidental, uma conversa que não nos é dirigida. Transgredimos, violamos propriedade privada, e a esta infracção associa-se um sentimento de embaraço e de culpa. Ao pensar melhor, é-nos evidente que tais sentimentos não se aplicam. O desejo do autor é de que os seus relatos sejam “como se” ouvidos sem querer, as suas missivas lidas “como se “ por engano.
Nuno Lobo Antunes pretende, com bom propósito e bons resultados, deixar que o coração se pronuncie, que se liberte a sua voz, que seja conhecida a sua humanidade. E, na verdade, a alma fala.”
Voltarei mais tarde a abordar este livro.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

NOTÍCIAS

Nos últimos tempos tenho estado afastada da escrita, mas por motivos justificáveis. Recebemos a visita da nossa filha e uma neta, que vivem na Alemanha, e os dias que passamos juntos são sempre poucos para matar as saudades. Logo a seguir à sua partida, a notícia da morte, em condições trágicas, dum familiar de amigos nossos e irmãos na fé, membros da Igreja Evangélica Presbiteriana, que frequentamos, deixou-nos muito perturbados. Seguiram-se dias de tristeza e interrogações. Porquê, Senhor? Nestes momentos é tão difícil encontrar palavras que ofereçam o conforto emocional que aqueles que sofrem precisam de ouvir… Em alturas como esta, a nossa fé fica mais fragilizada, mas acabamos por ter de aceitar os acontecimentos porque não encontramos explicações para as nossas dúvidas . A vida continua e vamos ter de estar preparados e conseguir encontrar forças para enfrentarmos, a qualquer momento, os desgostos e as dificuldades, que sempre irão surgir, e disposição para sabermos aproveitar os momentos bons da vida. E são as palavras do apóstolo Paulo, ainda que difíceis de aceitar, que irão dar novo ânimo e consolo aos corações atingidos pela dor da perda do seu ente querido: “ Todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus”
Por último, fui operada a uma catarata no dia 3 deste mês. Foi uma operação rápida, mas incomodativa. Graças a Deus correu bem! E agora, aqui estou eu, procurando seguir à risca as recomendações do médico, até porque o meu marido está sempre a recordar--mas: “Não baixes a cabeça, não faças esforços” e muito empenhado em cumprir com rigor as tarefas domésticas de que se incumbiu!
E por hoje é tudo .

terça-feira, 21 de setembro de 2010

NOTÍCIAS

Há já algum tempo que não tenho notícias tuas, mas posso imaginar que continuas no teu cantinho, saindo de manhã para tomar a bica e pouco mais. Neste aspecto somos muito parecidas. No último ano, pelo menos tenho levado os dias vencida pelo peso da rotina diária que teima em instalar-se, sem que eu consiga muitas vezes ter a vontade e o bom senso necessários para saber aproveitar melhor o tempo que tenho livre e resolva sair de casa e arejar. Quando há dois meses me encontrei contigo em Monte Real, este assunto veio à conversa, lembras-te? Falámos dos pretextos que arranjamos para contrariar as nossas boas intenções, seguidas de arrependimento por voltarmos a desperdiçar a vida. Realmente quando criamos determinados hábitos começamos a ficar desmotivadas e torna-se difícil encontrar novos interesses ou retomar alguns que fomos perdendo e que até recordamos com um certo saudosismo. São sentimentos que nos perturbam e que nem sempre nos ajudam a tomar as melhores decisões. Lembras-te da Inês ? Estava sempre pronta para a brincadeira ! Nos últimos anos temo-nos encontrado algumas vezes. Tem problemas com as pernas e anda com dificuldade, mas só te digo que apesar disso não pára. Mantém-se activa nas obras sociais em que está envolvida, tem um grupo de amigas que a desafiam para almoços e passeios de carro. Anda sempre no “laró”, como ela costuma dizer. A alegria é boa conselheira e encoraja as pessoas a irem em frente. Mas nem todos somos iguais…
Tenho estado para aqui a divagar quando o melhor seria voltarmos a encontrar-nos e continuar a conversa interrompida da última vez que estivemos juntas. Vem até cá passar uns dias. O Outono promete dias de sol e temperaturas amenas. Podemos ir dar uns passeios pela marginal e comer um geladinho, que tu tanto gostas, na melhor gelataria da Figueira da Foz e arredores.
Um grande abraço e cá fico à tua espera.
Matilde

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

ESTRANHO MUNDO

“ Embora só de tempos a tempo nos apercebamos disso, a verdade é que vivemos num mundo estranho. Enquanto alguns países são fustigados por incêndios, outros, como o Paquistão e o México, sofrem cheias terríveis. A água que causa tantos estragos nuns sítios daria muito jeito para apagar fogos noutros.
Mas não é só o clima que parece desregulado. Se olharmos para o panorama humano, os contrastes não são menos gritantes. Por um lado, temos um estudo que revela que há cerca de 27 milhões de pessoas em todo o mundo em situação de trabalho escravo. Só a Islândia (com pouco mais de 300 mil habitantes) e a Gronelândia ( com 57 mil, menos do que a lotação do Estádio da Luz) parecem estar livres deste flagelo. Ao mesmo tempo que surgem estes números preocupantes sobre a escravatura, temos rapazes e raparigas lançados para o estrelato com uma facilidade enorme e a ganhar milhões de um momento para o outro.
A descoberta de jogadores de futebol que são autênticas pedras preciosas tem um paralelo: o mercado da arte. De tempo a tempos aparece uma pintura de um artista famoso que estava numa cave e afinal valia milhões. Creio até que já foi encontrado um Picasso na Feira da Ladra. Quem disse que está tudo descoberto e já não podemos ser surpreendidos?”
Neste mundo estranho acabamos por já não nos surpreender com o que vamos vendo e ouvindo. São surpresas atrás de surpresas…

Parte dum artigo de José Carlos Saraiva na Revista Tabu, de 20 de Agosto de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

OLÁ !

Há dois anos , um dos meus filhos incentivou-me a criar um blogue. Senti-me encorajada com as suas palavras e logo nesse dia a Matilde estava na Internet com o seu “figueirenseporadopcao”. Com uma certa regularidade fui narrando algumas experiências pessoais ou transcrições que achei interessante partilhar, mas há já algum tempo tenho deixado grandes intervalos entre os meus blogues. Que me desculpem todos aqueles que ainda o vão visitando. A disposição e a falta de inspiração têm superado as minhas intenções e o resultado é visível. Depois, e isso também conta, eu não tenho uma boa relação com o computador, apenas o uso como máquina de escrever, e quando surge o mais pequeno problema preciso de ajuda imediata. Tenho de admitir que esta minha incapacidade , ou melhor, a minha relutância em querer aprender, não é normal nos nossos dias, quando até uma criança de 6 anos já é mestra no uso do computador… Mas, paciência, cada um é como é! Vou procurar activar o meu blogue, seguindo as linhas que desde o início orientam este meu projecto, se assim lhe posso chamar, não permitindo que o desinteresse e a preguiça mental se instalem. Tentarei dar asas à imaginação e encontrar temas que possam inspirar a minha modesta escrita . É tudo por hoje e… até breve!

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

RECORTES DA VIDA

Todos nós coleccionamos coisas a que damos determinado valor. Lembro-me de, em criança, guardar caixinhas de medicamentos e outras, de vários tamanhos, que me entretinha a acomodar numa gaveta. Seguiram-se as pratas coloridas dos bombons e tabletes de chocolate que, depois de bem alisadas, conservava entre as folhas de um caderno. Vieram depois os papéis dos embrulhos de Natal, as fitas e os lacinhos, os frascos de vidro das compotas, de diferentes tamanhos e formatos. Mais recentemente, os bonitos guardanapos de papel de desenhos variados, tornaram-se o alvo favorito das minhas poucas extravagâncias. Os postais enchem alguns álbuns assim como os cartões de felicitações dos últimos anos que guardo cuidadosamente em dossiers (penalizo-me por todos aqueles que deitei fora…). Depois vêm os diários das viagens, completados com fotografias, bilhetes de entradas nos museus, talões de compras, etc, etc. Às cartas, cartões e outra papelada não poderei chamar de colecções, no verdadeiro sentido do termo, mas posso talvez classificá-los como “recortes” que eu tenho vindo a “colar” nas folhas do livro da vida, que de tempos a tempos vou folheando para avivar as recordações do passado. Seria talvez melhor retirar um ou outro “recorte” que não merece ser lembrado, mas se eu o destruísse , então o meu livro ficaria com espaços em branco. Achei melhor deixá-los esquecidos no fundo da gaveta…
Há pessoas que são de opinião que o passado é passado e esforçam-se por apagá-lo da memória. Eu acho que quem deseja apagar da mente as recordações é porque não quer deixar-se envolver de novo nas emoções então vividas, mesmo aquelas que lhes foram mais gratas. Mas será que podemos pôr um cadeado no “arquivo” da nossa memória para não suscitar as recordações?!
Há pouco tempo encontrei-me com uma amiga de infância que já não via há alguns anos. Falámos das nossas vidas, da família, e a dada altura demos por nós a reviver os tempos da nossa adolescência na escola, as colegas e um sem número de aventuras que já julgávamos esquecidas. Toda esta conversa frente a uma audiência constituída pelo meu marido e outra amiga, que se admiravam da nossa capacidade em conservarmos ainda tão vivas tantas lembranças desse tempo. Com as recordações eu tenho aprendido muitas lições para a vida. Os erros do passado têm-me ensinado a tomar atitudes mais cautelosas. Todas elas , boas ou menos boas, são um estímulo para eu continuar a “colar recortes” e indo acrescentando folhas ao meu livro da vida , cujo o epílogo caberá aos meus descendentes.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Minha amiga

Recentemente, pediram-me para ir a sua casa porque o carteiro tinha deixado umas cartas com um destinatário desconhecido e era preciso devolvê-las. A sua família está em Lisboa e só vem de tempos a tempos, como já era habitual, e é a empregada que tira o correio da caixa e vai cuidando da limpeza da casa. Estava uma tarde de sol! Abri a porta e entrei. Pareceu-me estar tudo escuro. Deixei a porta entreaberta e comecei a subir as escadas. O silêncio era total. A caliça, cobrindo os degraus, veio lembrar-me o vazio da casa. De repente, apoderou-se de mim um sentimento estranho e comecei a correr procurando rapidamente fazer o que me tinha sido pedido. O sol inundava a sala, a correspondência estava em cima da mesa de jantar, mas não encontrei as ditas cartas, e, assim como entrei, rápida, desci os degraus, fechei a porta e saí para a rua.
Nessa tarde, já mais calma, procurei encontrar uma explicação para a experiência que tinha vivido. A minha querida Amiga deixou-nos há perto de um ano, mas para mim aquela casa era e será sempre a sua casa. Já lá voltei outras vezes para me encontrar com as suas filhas, mas aquele momento foi especial, eu senti-me uma intrusa invadindo a privacidade de alguém que guardara ali as recordações de uma grande parte da vida e onde se sentira sempre mais feliz. Depois, aquela ausência de ruído, o vazio que me atingiu quando abri a porta, devem-me ter transportado, sem eu disso me aperceber, a situações vividas no passado, uma delas ainda recente. Angústias e temores sentidos quando, por duas vezes, a querida Amiga , num sono profundo e tranquilo, não ouviu a campainha da porta e o tocar do telefone que insistiam, mas não eram atendidos. Fui avisada do que se passava e corri, a primeira vez com um amigo e anos mais tarde, com o meu marido, aflitos e pensando o pior. A corrente estava na porta a impedir-nos de entrar. Foi preciso chamar os bombeiros e, da última vez, a polícia teve de intervir porque as janelas também estavam fechadas. O silêncio da casa e a escuridão que nos envolvia à medida que subíamos os degraus apertavam os nossos corações. Foram momentos que eu nunca vou poder esquecer. A sua idade avançada e a sua já muito débil saúde eram motivos de preocupação. Graças a Deus a minha Amiga dormia calmamente.
Agora, eu não senti medo de a qualquer instante ser surpreendida por a ver no cimo das escadas ou sentada na sala , mas, sim, pelo facto de não ter ouvido a sua voz afável a dizer-me “Faz favor de subir!”, para depois ser recebida com um bonito sorriso de boas-vindas e um beijo… Só pude escutar o silêncio…
Desta casa, saudosa Amiga, eu guardo gratas recordações vividas ao longo dos 49 anos da nossa amizade. Sinto muito a falta da sua jovialidade, dos seus conselhos, das suas palavras atenciosas e sábias. Ficava presa aos relatos das suas viagens, enquanto criança e jovem, por terras de África. A sua disponibilidade para cuidar dos meus filhos quando, em crianças, lhe ficaram algumas vezes confiados. A nossa vivência cristã uniu-nos na igreja que frequentámos e na comunhão com Deus. E será na Sua presença que nos voltaremos a encontrar um dia!
Até lá, fico com as recordações e a saudade….




sábado, 12 de junho de 2010

LUTADORES OU ACOMODADOS

Dei por mim a pensar nos momentos em que olhamos para trás e deixamos que o pensamento nos leve a reviver os anos que já passaram. Rumos que tomámos por opções que fizemos, o desânimo dos fracassos ligados à alegria das conquistas. A luta para conseguir vencer as dificuldades e as emoções vividas com a constituição da família e o nascimento dos filhos. A gratidão a Deus pelas muitas bênçãos recebidas. Muitas coisas que deixámos de fazer porque não soubemos aproveitá-las e que já não vamos a tempo de agarrar. Uma mistura de sentimentos que nos envolve e que nos obriga a continuar, porque a vida é feita de avanços e recuos. Apercebemo-nos que ela se vai escoando pelos anos que passam, mas que vamos sempre a tempo de, com perspectivas positivas, procurar o seu equilíbrio. É a ”vontade de viver” que nos impulsiona a ir em frente.
Mas ultimamente tenho vindo a observar melhor o modo como as pessoas, talvez as mais velhas, mas não só, “vão levando a vida”. Isso significa, para mim: viver acomodado, fugindo ao envolvimento pessoal com situações reais da vida e o desinteresse por tudo aquilo que se prefere ignorar para se evitar desgostos ou aborrecimentos. A falta de empenhamento nas actividades em que se está envolvido e deixar correr os dias na rotina de hábitos que se foram adquirindo. O saudosismo do passado e a dificuldade em aceitar as mudanças do presente. A falta de paciência para lidar com situações que ultrapassam a compreensão. A omissão de comentários que possam criar antagonismos. A doença que fragiliza o corpo e perturba o espírito. As barreiras que se vão construindo e que a pouco e pouco vão quebrando a participação na sociedade.
No ritmo acelerado, que a vida nos impõe, torna-se cada vez mais difícil encontrar disponibilidade para o estreitamento de relações com a família e com os amigos e vai havendo uma maior predisposição para que muitas pessoas acabem por “ir levando a vida” conforme acham melhor e podem, encarando o futuro com uma certa reserva.
“Lutadores” ou “acomodados” sabemos que não podemos controlar a vida, mas teremos de continuar a enfrentar os desafios que ela nos põe.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

UM ADEUS

A semana passada recebi a triste notícia acerca de um jovem de 34 anos, que eu vi crescer, e que na estrada perdeu a vida. Deixou um filho de 4 anos e uma família que o amava. “Ainda era um menino…” dizia a mãe, lamentando-se, no seu choro de dor. E quantos “meninos” mais irão deixar um rasto de sofrimento nas famílias que os verão partir !…
Nestes momentos, eu interrogo-me “Porquê, Senhor?” Mas logo recordo as palavras do Livro de Eclesiastes “Neste mundo, tudo tem a sua hora, cada coisa tem o seu tempo próprio. Há o tempo de nascer e o tempo de morrer…” Uma criança nasce e logo começam a preocupações dos seus pais. Uma pequena alteração no seu estado de saúde é o suficiente para ficarem inquietos. Cada dia é uma etapa na vida que vai desabrochando, como a flor que a pouco e pouco abre as suas pétalas e se mostra em toda a sua beleza. Vão-se fazendo planos para o futuro e até se começa, muitas vezes, a antever a carreira que o filho poderá seguir por se achar que talvez possa ter mais sucesso em termos profissionais.
Mas os imprevistos fazem parte do percurso da nossa vida e as realidades sobrepõem-se aos sonhos. Somos como uma “cana agitada pelo vento” e que a qualquer momento se pode vergar e partir. A fragilidade da nossa vida é evidente, mesmo quando tudo parece estar a correr bem. O José Luis foi sempre um rapaz pacato, tranquilo, estimado por todos. Tocou na filarmónica da sua terra. A seu tempo casou e nasceu um filho dessa união. Era camionista nos transportes rodoviários de longo curso. Com muito trabalho e sacrifício o casal foi construindo a casa que muito em breve iriam habitar. A Igreja Evangélica de Alhadas foi pequena para acolher todos aqueles que lhe quiseram dizer o último adeus.
“Ainda era um menino”, relembro muitas vezes estas palavras, pois elas traduzem toda a tristeza da sua mãe, mas ao mesmo tempo a incompreensão de, num momento para o outro, o ver partir. Uma mãe não consegue encontrar uma explicação que possa justificar a perda dum filho. Foi ela que o trouxe dentro de si, é desde esse momento que o começa a amar e não podem haver palavras que traduzam o sentimento que o liga a si. Perdê-lo ,seja em que altura da sua vida for, será sempre uma dor imensa e longe de desaparecer…
Mas nós não temos uma permanência física eterna. Todos temos plena consciência que a nossa hora há-de chegar. Quando, só Deus o sabe. O José Luis está na Sua presença onde todos nos iremos reunir. Ali, “não haverá mais morte, nem pranto , nem clamor, nem dor”, e para sempre gozaremos da vida eterna.

sábado, 17 de abril de 2010

TODOS FAZEMOS PLANOS

Numa entrevista a Maria Cavaco Silva, quando é questionada se está preparada para ficar mais 5 anos como primeira dama, caso o marido se recandidate, ela responde: “Não me candidatei, também não me recanditarei. Já estive preparada para muitas coisas que nunca pensei que me acontecessem. Cito uma frase de Agostinho da Silva que talvez corresponda à minha vida, “Nunca faças planos excessivos para a vida, para não atrapalhar os planos que a vida tem para ti.” Talvez por tudo o que planeei não aconteceu, acontecendo tudo aquilo que não tinha planeado. A vida tem com certeza planos, quais não sei. Quando vêm aceito-os e faço o melhor que posso e sei” (*)
Há determinados planos para o futuro que eu evito fazer. Procuro ir deixando o tempo passar e os acontecimentos vão-se desenrolando, alguns nem sempre como eu teria desejado, outros até, impensáveis, e que acabam por me surpreender pela positiva. Sou um pouco pessimista, não que esteja sempre a pensar que a qualquer momento irei deparar-me com situações desagradáveis, mas prefiro ser cautelosa nas minhas intenções, para não sofrer depois as desilusões dos imprevistos.
Se eu fosse dizer que procuro viver apenas um dia de cada vez, sem pensar no que irei fazer amanhã, então eu não teria perspectivas para o futuro. Por muito reticente que eu seja nos planos que faço, sobretudo a longo prazo, estou absolutamente consciente que a minha vida, como a de qualquer outra pessoa, tem de ser planeada, pois é assim que ela vai a pouco e pouco sendo construída. A falta de planos compromete o nosso futuro. Os tais “planos excessivos “ de que fala Agostinho da Silva, é que podem ficar comprometidos, porque a vida nem sempre corre ao sabor da nossa vontade.
A velhice, a fragilidade da saúde, a solidão, vão provocando o alheamento da vida, o desinteresse pelo amanhã, e, consequentemente, a vontade e a capacidade de fazer planos. Quando entro num lar de idosos fico muito triste porque vejo nos olhares de alguns deles a “espera” por alguma coisa e a resignação . Já não fazem planos, mas talvez ainda sonhem...Planear os dias implica luta, persistência. Sonhar é só imaginar, fantasiar e deixar-se embalar por eles…

(*) Revista “Única” do semanário Expresso, de 06.03.10

quarta-feira, 14 de abril de 2010

ÓSCAR, UM GATO ESPECIAL

Na Revista ÚNICA, do semanário Expresso, de 27 de Março, vem a história de um gato, que desde os 6 meses de idade e juntamente com mais 5 companheiros, vive no lar Steere House, em Rhode Island, nos Estados Unidos. Pouco sociável, passava os seus dias a dormir nos seus cobertores. “Pensava-se que era um gato comum. Mas isso foi antes do pessoal do terceiro piso, dedicado aos cuidados paliativos, lhe detectar um dom extraordinário: quando a saúde de um dos pacientes piorava, Óscar começava a visitá-lo no quarto com frequência. A certa altura, subia para a cama, aninhava-se aos pés do paciente e dali não saía. Em vigília, acompanhava-o nas últimas horas”. Quando a enfermeira Mary chamou a atenção do médico geriatra, David Dosa, para o estranho dom do gato , incrédulo ele respondeu :”Não me entenda mal, Mary. Adoro a ideia de um animal se vir sentar junto de mim quando eu morrer. É enternecedor”. Pouco tempo depois, uma mulher de 80 anos, que padecia de uma doença grave, e “apesar de nada indicar que a sua morte era iminente, a enfermeira surpreendera-se por Óscar se ter enroscado ao lado da paciente. Dosa encolheu os ombros e partiu, sem dar grande importância à teoria da enfermeira. Uma hora depois recebeu um telefonema. A senhora Davis tinha falecido na companhia de Óscar. “Está a acontecer sempre que alguém morre. David, acho mesmo que o gato sabe”, insistiu Mary.
Passaram-se seis meses, o médico já tinha esquecido o assunto , mas recebe de novo um telefonema informando-o que outra paciente do lar tinha falecido, “e, como noutras ocasiões, Óscar montara vigilância na cama da paciente durante as últimas horas de vida”. E, diz Dosa, “ Embora ninguém entre o pessoal médico, incluindo eu, achasse que ela estava sequer doente, muito menos perto da morte, aquele gato sentiu qualquer coisa. Ainda que a minha fé na ciência e a minha própria vaidade me ajudassem a rejeitar a ideia de que um felino qualquer podia saber mais do que nós, médicos e enfermeiros, sabíamos, senti-me estranhamente eufórico com a ideia de poder estar completamente enganado”, escreve ele mais tarde.
“Seria coincidência que Óscar estivesse presente na morte de cada paciente? O episódio despertou a inquietação do médico, que se lembrou de uma citação de Einstein: “A coincidência é a forma que Deus tem de permanecer anónimo”. E Dosa começa a investigar o comportamento deste gato. Óscar era o único dos seis gatos do lar a ficar junto dos doentes em fase terminal, para consolo dos seus familiares.
Em 2007, David Dosa escreveu um artigo sobre este gato no jornal cientifico “ The New England Journal of Medicine e recentemente um livro “ÓSCAR – O dom extraordinário de um gato único”, editado em Portugal pela Caderno. Dosa não consegue encontrar explicações precisas para o comportamento deste gato. “Óscar encarna a empatia e o companheirismo. O trabalho dele é fazer companhia nas horas finais, faz parte da equipa” escreve o médico no prefácio do seu livro.

sexta-feira, 26 de março de 2010

"PERDIDOS EM SI MESMOS"

Há umas semanas atrás vi o filme “Away from her”- “Longe dela”. Voltei a vê-lo mais tarde e não sei se haverá ainda uma terceira vez. A história envolve um casal de meia-idade que está a passar por um grave problema. A senhora começa a revelar sintomas da doença de Alzheimer. Os actores conseguem encarnar tão bem as personagens que, ao ver o desenrolar das imagens , eu esqueço-me que é uma representação, e do princípio ao fim, deixo-me envolver nas emoções que as cenas vão transmitindo e vejo Grant e Fiona como amigos meus que estão vivendo o mesmo drama.
Alguém me dizia que “este filme deve ser visto quando se tem 50 anos”, isto porque os primeiros sinais da doença podem manifestar-se muito cedo. Se estas pessoas recorrerem ao médico e começarem a ser devidamente medicadas, isso irá permitir o atraso da evolução da doença e gozarem mais tempo de autonomia e qualidade de vida. E lembro uma frase do actor: “ O cérebro dum doente com Alzheimer é como uma casa iluminada, quando pouco a pouco se vão desligando os interruptores”.
Fiona foi tendo consciência das suas perdas de memória. Procurou informar-se sobre a doença. Ela e o marido decidem consultar uma médica especialista e os testes que esta lhe faz confirmam que tem doença de Azheimer. E será Fiona, já muito perdida nas suas ideias, que vai decidir o seu futuro, apesar da angústia que sente invadi-la.
As implicações que a doença de Alzheimer tem na vida dos familiares da pessoa doente, sobretudo naqueles que vivem mais de perto a situação, revelam-se extremamente desgastantes, tanto a nível físico como emocional. Familiares meus estão vivendo este drama e sei como lhes é difícil assistir à diminuição progressiva das capacidades do seu ente querido e ao mesmo tempo manterem o ânimo e terem forças para levarem em frente a sua tarefa.
Tenho duas amigas que sofrem desta doença. Uma delas foi minha colega de trabalho e sempre fomos muito chegadas. Relembro as mulheres que elas foram: mães de família, exercendo actividades profissionais, participantes na comunidade, sempre com um sorriso nos lábios e uma palavra amiga para todos. Quando as visito, regresso a casa com o coração triste…
Doença de Alzheimer, “ Um Caminho de Dependência”.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

UM SONHO ANTIGO

Ao longo da vida todos nós nos vamos deixando embalar por sonhos que transcendem muitas vezes o nosso imaginário e passam para a realidade transformados em esperanças que vamos alimentando, embora pouco convictos na sua concretização. Há uns anos atrás, tive um sonho, e que nunca passou disso, porque o meu espírito pouco aventureiro, tirou-me logo à partida quaisquer hipóteses de o tornar realizável… O meu sonho de então era abrir um pequeno salão de chá, com todas as condições que considero essenciais num espaço que se deseja com um conforto aconchegante. Um lugar aprazível, onde os clientes, longe do bulício do exterior, pudessem tomar o seu chá sem pressas, gozando de intimidade nas suas conversas sussurrantes. Consegui envolver uma amiga e colega de trabalho neste “projecto” e juntas imaginámos o melhor local para instalar o nosso salão de chá : talvez na zona ribeirinha, num sítio agradável mas movimentado, onde quem passasse se sentisse convidado a entrar. Uma pessoa especializada tomaria conta da decoração, que se desejava confortável e com um certo requinte. Variedades de chá, doçaria caseira, música de fundo e outros pequenos detalhes que dariam um toque especial à sala. As nossas divagações davam lugar a conversas animadas que terminavam sempre em boas risadas. De tempos a tempos o assunto vinha à baila, mas a pouco e pouco o sonho foi-se desvanecendo e agora só é recordado por graça.
Temos muitas pastelarias na nossa cidade, algumas recomendáveis pela boa qualidade da sua confeitaria, mas faltam-lhes as condições para serem espaços agradáveis, acessíveis a toda a gente, com uma qualidade e apresentação cuidada e atractiva. O elevado número de clientes em salas pequenas, o espaço apertado entre o balcão e as mesas, a venda de pão generalizada e, mais recentemente, o fornecimento de almoços, aliadas a outras situações menos boas, não convidam as pessoas a gozarem momentos de descontracção e de aconchego. Pode ser que um dia alguém dê vida ao nosso sonho e abra um salão de chá . Tenho a certeza que seria um bom investimento. Farei o possível para estar presente na inauguração!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

UM MOMENTO FATAL

Por razões várias não tenho escrito e recomeçar tem-se tornado difícil. Que me desculpem aqueles que têm visitado este blogue.

Numa manhã de um domingo do mês de Novembro eu e o meu marido fomos surpreendidos com uma notícia que nos deixou muito perturbados porque atingiu pessoas nossas amigas, deixando um rasto de dor e sofrimento. Pai e filha regressavam tranquilamente a casa depois de um jantar com amigos. A filha conduzia o carro em que seguiam. Numa curva, aperceberam-se dum carro que vinha em sentido contrário. As últimas palavras do pai foram: “Eles não vão conseguir fazer a curva…” De imediato, aconteceu o previsto, o choque frontal contra a viatura que não seguia na sua mão, conforme manda o código. O balanço deste trágico acidente foi a morte imediata deste homem e ferimentos muito graves na condutora. Os causadores do acidente, segundo sei, só um é que foi ao hospital. Eram jovens, vinham muito animados duma discoteca e planeavam continuar a diversão pelo resto da noite. Casos como este há muitos outros, infelizmente, e em grande parte causados pelos condutores mais jovens, que não têm consciência das consequências quando infringem as regras estabelecidas para uma condução segura. Não lhes interessa se beberam mais do que aquilo que é permitido por lei, se estão ou não suficientemente lúcidos para poderem, com segurança, pegar num carro e irem para a estrada. O desejo de quererem gozar a juventude não deixa lugar ao bom-senso. Muitos deles perdem a vida ou ficam com lesões para sempre.
O que pensarão estes jovens que provocaram o grave acidente a que me refiro? Tenho quase a certeza que aquela noite fatídica deixou marcas bem profundas nas suas vidas. Não vão esquecer o silêncio depois do embate, as sirenes dos bombeiros e do INEM e a confusão que se seguiu. Não sei qual será a sentença do tribunal, mas, seja ela qual for, nada poderá trazer de volta aquele pai à sua família, à sua filha e à normalidade da vida que esta vivia com ele. Quanto tempo terá ainda de permanecer na cama do hospital? Ficará com lesões? Os traumas psíquicos, esses vão permanecer. Nada voltará a ser como dantes…
Que ao menos isto sirva de lição àqueles jovens para aprenderem a viver a sua juventude de uma maneira mais saudável, deixando que ela lhes deixe gratas recordações para o futuro. A vida é passageira, aprendam a viver um dia de cada vez, com alegria e sem motivos para lamentar atitudes menos próprias.