“Na história da minha existência estão cravados os anos que passei nos EUA como especialista em Neuro-Oncologia pediátrica. Após sete anos de intensa vida hospitalar, em que a violência das emoções atingia, todos os dias, dimensões de drama, a vida surge distorcida. Era um dia-a-dia de derrotas. Em que mesmo as vitórias não podiam ser inteiramente celebradas, porque a eminência de uma recaída pairava até ao fim da vida. Lembro-me que de férias em Portugal, admirava as crianças a brincar na praia porque já me tinha esquecido de que podiam ser felizes e saudáveis. Em cada cara buscava sinais de dor, em cada corpo estigmas de quem sofreu os efeitos da doença ou do seu tratamento.
Muitos me perguntavam como era possível conviver diariamente com o desgosto. A resposta é simples: é um privilégio poder conhecer a humanidade no seu melhor, na Coragem, mas sobretudo, no Amor. Os médicos e enfermeiras com quem trabalhava eram santos, porque, como alguma vez ouvi, os santos não se vêem todos da mesma maneira.
Quero-lhes agradecer. A todos. Falo dos doentes que durante anos tive o privilégio de conhecer e de tratar, e de quem tanto recebi. Foram-se os nomes, na memória restam imagens, como fotografias que o tempo, pouco a pouco desvanece.
EPÍLOGO
Todas as histórias merecem um fim. Ponto final que sossegue, garantia de que a vida prossegue, de que a narrativa não passa por nós. É estranho, mas cada vez mais me dou conta de que ao passar esta curva estou na recta final. Da vida claro, e que estas histórias me dizem respeito, e que ao fechar o livro, me fecho a mim. Mais leve, é certo, mais livre também.
Cada página que escrevo vai numa garrafa de náufrago lançada da praia. Carta solitária suplicando resgate. Uma vida à deriva. A outra praia qualquer chegará a mensagem. Alguém que passeia, curioso, abre a garrafa, lê a carta e, espantado, vê-se ao espelho e reconhece o autor.
É preciso afirmar aquilo em que se acredita. É preciso usar as grandes palavras: fé, amor, vergonha, coragem. É preciso dizer que a paixão, mais que a razão, redime e nos torna em santos.
E sem pudor dos afectos, confessar que sinto muito.”
“Alma a nu, sentimento despido de pudor.”
“O amor como razão de ser e de viver.”