quinta-feira, 31 de julho de 2008
quarta-feira, 30 de julho de 2008
DA ERVA À ÁRVORE
“Eram dunas e dunas, a perder de vista. Montes de areia para o vento brincar…
Hoje, fazia uma duna maior aqui, amanhã apagava-a, para fazê-la mais além e, sempre segundo os seus caprichos, onde estavam montes, cavava vales, onde estavam vales, amoldava montes.
O vento era uma vassoura enorme.
Cabeleiras dóceis de ervinhas rasteiras deixavam-se pentear, despentear, ao sabor do vento gigante.
Ele é que mandava.
Uma delas à beira dum tojo só picos, cresceu.
Delgadinha que era, arriscou-se à vida. Rompera a areia e apontava para cima. Ela lá sabia.
De dentes a ranger, o vento passou. Partiu-se o tronquinho? Não se partiu. Fincava as raízes, segurava-se com toda a força e, quando o vento descia, inclinava-se à vontade dele. Tinha de ser assim.
Lá se foi aguentando. O vento, a princípio, nem dava por ela.
Era uma erva como as outras. Senhor daquelas dunas, o que ele queria era disciplina, ordem, submissão. A erva, que erva afinal não era, submetia-se. Óptimo.
Foi crescendo e o vento sem dar por ela. Era um tronco já. Uma arvorezinha de Natal para casa de bonecas. Outras ervinhas como, dantes, ela tinha sido, despontavam também, na mesma duna.
Ali havia uma pequena nação de pinheiros novos. A ordem era: persistir. Por enquanto persistir. Resistir seria para depois. E foram vingando.
Quando o vento deu por eles, teve uma grande cólera e soprou, dias a fio, sobre a duna, donde nascia, miudamente, frágil ainda, um sinal de rebeldia ao seu poder. Nada conseguiu. Os pinheiros sabiam que eram pinheiros.
Tinham raça e coragem para fazer frente ao vento.
Uns e outros, os maiores e os mais pequenos, começaram a olhar para a sombra. Alastravam para outras dunas. Guerreiros chamavam por outros guerreiros e desafiavam o vento. “Nada podes contra nós”, gritavam-lhe.
O maior, o chefe, o mais velho, que da erva se fez tronco, do tronco se fez árvore, comandava a defesa e dizia aos mais novos, nas alturas em que o vento lhes fazia ranger os ramos: “Aguentem, que já passámos por pior.” Eles aguentavam.
E foi assim que o vento, o gigante caprichoso que dantes arrasava dunas, teve de deixar de fazer castelos na areia.”
Texto de António Torrado
Revista do Jornal de Notícias
21 Março 2004
Dia da Árvore
Gostei muito desta história e li-a várias vezes, procurando pequenos pormenores que ganhavam diferentes significados. À medida que o fazia, surgiu-me a comparação entre as pequeninas ervas que iam nascendo nas dunas, fustigadas pelo vento, que teimava em derrubá-las, e cada um de nós, na nossa caminhada neste mundo. Como servos de Deus, procuramos manter bem firme a nossa fé n’ Ele, mas também, tal como as pequeninas ervas, estamos constantemente a ser sujeitos aos sopros violentos dos ventos, que nos fragilizam e fazem que vacilemos na nossa vida espiritual. Mas há duas palavras muito importantes que se destacam nesta pequena história: “ persistir” e “resistir”.
A pequenina erva, que junto dum tojo cheio de picos, foi crescendo, fortalecendo, até que se tornou num pequenino pinheiro, ao mesmo tempo que outras ervinhas começavam a desenvolver-se na mesma duna. Haviam já muitos pinheiros novos que persistiam em crescer e a resistir à cólera do vento que insistia em derrubá-los. Embora as suas rajadas se tornassem cada vez mais fortes e constantes, ele nada conseguia porque “os pinheiros sabiam que eram pinheiros” e tinham força e não temiam fazer-lhe frente.
Tal como estes pinheiros nós temos de “persistir” no crescimento da nossa fé, na nossa relação com Deus e com os outros para conseguirmos “resistir” às muitas dificuldades com que nos vamos deparando ao longo da vida. Temos de ter forças para ultrapassá-las e gritar , tal como os pinheiros ao vento: “Nada podeis contra nós”. E à medida que vamos vencendo os problemas, quando outros surgem, dizermos para nós e para os outros: “Aguentemo-nos, porque já passámos pelo pior”. Desta forma, a nossa fé sairá mais fortalecida e alicerçada Naquele que é o Senhor das nossas vidas !
terça-feira, 29 de julho de 2008
domingo, 27 de julho de 2008
NÃO É FÁCIL EDUCAR !
Como todas as crianças, fiz birras, travessuras, maldades, mas logo me era chamada a atenção com o elevar da voz, umas boas palmadas ou chineladas, dadas pela minha mãe, mais nervosa e pronta a reagir às infracções. Ainda nova ela começou a sofrer de problemas reumáticos, de modo que o uso do chinelo aliviava-lhe as mãos doridas. Mas, se alguma coisa de mal me acontecia, a minha mãe entrava em verdadeiro estado de pânico ! O meu pai era um homem muito calmo, mas recordo-me muito bem de me ter dado uma vez com o cinto ! Lá vinha o ditado : “Quem dá o pão, dá a educação”.
Eu nunca guardei mágoa ou achei imerecidos os castigos que me foram aplicados. Eram assim os tempos e a punição física fazia parte do processo educativo no lar e na escola. Compreendi mais tarde que, em certos momentos, quando as pessoas estão mais fragilizadas por uma irritação mal contida, um estado de saúde mais debilitado e por muitas outras razões, pode perder-se a cabeça e as crianças, como seres mais fracos, sofrerem as consequências. Claro que isto é condenável, mas acontecia e ainda pode acontecer, não tenho dúvidas.
As experiências da vida, os conhecimentos que agora tenho dos estudos que têm sido feitos e das respectivas conclusões, levaram-me a considerar a educação das crianças com mais atenção. Mas posso dizer, contudo, que nem todas as teorias, agora muito divulgadas, me parecem satisfatórias. Teria muito coisa a dizer sobre isto. Concordo em absoluto que os castigos corporais não educam, mas só amedrontam e podem ser muito traumatizantes. Mas apesar de tanto se falar no assunto e das pessoas , duma maneira geral , saberem que as crianças devem ter um crescimento saudável, sem violências físicas, continuam a ouvir-se vozes que, de quando em quando, alertam para os maus tratos que crianças e jovens (e idosos !) recebem em algumas instituições, dentro de famílias com problemas sociais graves, e não só … Os pais devem estar bem informados dos métodos a adoptar na educação. Há normas que proíbem a punição física para combater a indisciplina e má educação. Há linhas telefónicas para uma criança pedir ajuda se sofrer agressões familiares. Há países que, se alguém ouvir gritos de crianças vindos da casa dum vizinho, devem logo alertar as autoridades competentes. O que se passa é que muitas vezes as criancinhas gritam porque estão com uma tremenda birra ou porque se recusam a obedecer. E lá estão os pais metidos em maus lençóis !
Duma coisa, porém, eu dou conta : Há muitas crianças na sociedade actual, que se tornam pequenos tiranos na família, porque tudo lhes é permitido. Realmente educar uma criança não é tarefa fácil ! Os pais têm de pensar muito bem antes de tomar uma atitude, serem pacientes, se tiverem meios financeiros recorrerem a um psicólogo infantil para serem orientados na educação dos filhos , de modo que eles cresçam felizes e não fiquem traumatizados. Mas cada especialista defende a sua teoria e cada criança merece uma atenção especial. Depois, os resultados nem sempre são satisfatórios, podem surgir insucessos na aplicação de determinados métodos que se pensavam ser os adequados. Os pais começam a sentir-se impotentes para gerir as situações que vão surgindo e passam a ser vistos como educadores pouco competentes, responsáveis por certos comportamentos dos filhos, que, para a sociedade, parecem ser menos normais… Tem havido, entre outras razões, há vários anos, uma vontade crescente e louvável de apelar para os direitos das crianças, mas elas também têm deveres e isso, talvez, tenha caído um pouco no esquecimento. Por outro lado, começou a haver receio de serem tomadas atitudes e usarem-se métodos que possam ser considerados “anti-pedagógicos”, um termo um pouco controverso. Passa-se assim para o outro extremo e gera-se a confusão. Que dor de cabeça !!!
quinta-feira, 24 de julho de 2008
quarta-feira, 23 de julho de 2008
REENCONTRO
No início do ano, encontrei-me pela primeira vez com um homem alto, forte e ainda novo que estava a receber tratamento de quimioterapia. Por vezes, acontece-me experimentar um certo constrangimento antes de me dirigir às pessoas que ainda não conheço. Depende unicamente, eu sei, do modo como eu as vejo e do que as suas caras me parecem dizer. Novamente, eu verifiquei que muitas vezes estamos errados no juízo que fazemos das pessoas, antes mesmo de falarmos com elas. Hesitante, aproximei-me desse doente, e como sempre, disse: “Penso que é a primeira vez que nos encontramos ?” Só posso acrescentar que a nossa conversa durou longos minutos. Aquele homem imediatamente começou a desabafar. Falou, falou … Estava angustiado, triste, e, sem nunca me ter visto, falou-me da sua vida, das experiências dolorosas por que já tinha passado, da maneira trágica como tinha perdido um familiar muito chegado, e agora, quando passados já alguns anos, estava a viver uma fase mais tranquila, aparece a doença. Chorou ! Dirigi-lhe palavras de conforto, de esperança, mas, sobretudo, ouvi os seus desabafos. Encontrei-me com ele mais algumas vezes e via que ia ficando cada dia mais desanimado. Não se sentia bem, os tratamentos estavam a trazer-lhe efeitos secundários dolorosos. Deixei de vê-lo. Indaguei junto de outros “companheiros na caminhada” mas não sabiam o que se passava com ele. Comecei a ficar preocupada. Foi uma pessoa que me tocou profundamente.
Nesta segunda-feira, de súbito, vi-o entrar. Fui ter com ele e procurei saber como estava a passar.
Como o dia dos tratamentos tinha sido alterado, foi esse o motivo porque não o voltei a ver. Disse-me que já havia terminado os tratamentos, os resultados dos exames feitos tinham deixado a própria médica muito admirada, e ele, claro, muito feliz com a notícia. Então porque é que ele estaria de novo ali, pensei eu ? Neste último fim de semana tinha-se sentido mal e achou melhor ir falar com a médica. Estava desanimado, revoltado, triste… A sua companheira também estava com problemas de saúde. Voltou de novo ao passado, às cicatrizes que a vida lhe tinha deixado, à sua pouca saúde. Repetiu-me que tinha sido um cristão praticante, mas que agora a sua fé estava muito abalada. A dada altura disse-me “Minha senhora, eu vi no IPO de Coimbra, crianças a sofrer, que pouco ou nada sabem da vida. Porque é que sofrem tanto ?! Muitas vezes me interrogo , se Deus realmente existe …” É muito difícil para quem está a viver momentos tão dolorosos, aceitar de imediato explicações para as suas dúvidas .Tentei transmitir-lhe algumas palavras de conforto, justificar o porquê do sofrimento por que muitas vezes passamos, mas as palavras saíam-me com dificuldade, sem muita convicção, eu tinha noção disso. Eu também me interrogo, não sobre a existência de Deus, porque creio QUE ELE EXISTE E QUE O SEU AMOR É INFINITO ! Mas para o porquê de tanto sofrimento neste mundo eu não encontro as respostas que gostaria de ter e ouvir.
Lembrei-me, então, das palavras do nosso poeta Augusto Gil : “Mas as crianças, Senhor, porque lhes dás tanta dor ?!... Porque padecem assim ?!...”
terça-feira, 22 de julho de 2008
segunda-feira, 21 de julho de 2008
VAMOS À PISCINA !
A água da piscina, por questões de saúde, deve estar só a 30 graus. Imagine-se no Inverno!
Depois de arranjarmos forças para enfrentar a dura prova de entrar na piscina , a pouco e pouco , o corpo vai habituando-se à temperatura. Aqueles que chegam primeiro vão-se divertindo à medida que chegam os colegas. À pergunta sacramental :”Como é que está a água?” vem logo a resposta:”Hoje está muito fria !” Depois começa a descida cautelosa pelas escadas, até que, já dentro de água, todos arrepiados , com pele de galinha, surgem as exclamações:”Ai, a água está gelada ! Brrr…” Ouvem-se algumas vozes, mas muito poucas, daqueles que, já dentro da água, afirmam corajosamente “Está boa !” Algumas vezes, quando o professor chega, começam os comentários:” A água hoje está muito fria, é impossível que esteja a 30 graus !” E lá vai ele buscar o termómetro e , pacientemente (às vezes !) assegurar que “até está a 32 graus !” Pouco convencidos, começamos os exercícios e vamos ficando mais quentes.
A cena repete-se quando saímos da água. Agora, com o corpo quente, depois de 45 minutos de exercícios, vamos ter de enfrentar o frio dos balneários. Ouvem-se de novo os queixumes:”Que frio ! Isto cada vez está pior !” E lá corremos para os duches, desejosos de sentir a água quentinha a escorrer-nos pelo corpo. Depois partimos a caminho de casa, com uma agradável sensação no corpo resultante dos exercícios que ajudam a tonificar os músculos e a dar mais mobilidade aos ossos.
Esta piscina não tem as condições necessárias e que agora são exigidas. Que o digam aqueles que conhecem as piscinas das Alhadas e do Paião. As portas e as janelas dos balneários estão empenadas e deixam passar o frio, as escadas para a piscina rangem e dão de si. A estes problemas outros se juntam , mas para mim, e sei que para muitas outras pessoas, apesar de todas as deficiências que originam os nossos desabafos, ela é a “nossa piscina”. E depois afeiçoámo-nos ao professor Paulo Martins, que, sempre bem-humorado e com calma, vai conseguindo que todos se esforcem para fazer os exercícios, mesmo quando, em cima daquelas pequenas placas de esferovite azul, nos tentamos equilibrar, movimentando as pernas para a esquerda e para a direita, para trás e para a frente…
Está planeada a construção duma nova piscina e, provavelmente, com condições superiores às que agora são consideradas excelentes. Quando? Não sabemos . Pensando na crise que estamos a atravessar, de que todos se queixam, pressinto que ainda vamos ter de esperar algum tempo, mais do que aquele que é desejável e urgente. Quando esse dia chegar, estou certa que aqueles, que ao longo dos anos utilizaram este espaço para praticarem as modalidades ali possíveis e todos os que ainda vão continuar a usá-lo, irão recordar esta piscina com um certo saudosismo porque há lembranças do passado que vão sempre ficar na nossa memória.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
ESTAMOS A SABER ENVELHECER ?
Encontrei-me com uma amiga de longa data e, juntas, passeámos à beira-mar. Fizemos algumas compras e, depois, à mesa dum café, falámos da nossa vida, dos nossos familiares e veio à baila o envelhecimento de alguns dos nossos amigos e de todas as implicações que derivam desse processo.
Vim para casa a pensar no assunto e lembrei-me que, algumas vezes, ao longo da minha vida e observando o crescimento dos meus filhos, eu pensava, por exemplo: “Quando o meu filho mais velho tiver 50 anos eu já terei 74 anos. Como é que eu estarei na altura?” E olhava à minha volta, prestando atenção a mulheres com essa idade, imaginando-me como uma delas e pensava para comigo: “ A idade não perdoa…”
Se temos uma profissão e juntando às horas passadas fora de casa as tarefas domésticas, a vida não nos deixa tempo para darmos conta de alguns problemas que começam a surgir e que nos querem avisar que já não somos umas jovenzinhas. Mas, com tantas obrigações a cumprir, só há tempo para pensar no presente. Depois, passar um creme no rosto, mudar a cor do cabelo, procurar ter uma alimentação mais saudável, começar a ir ao ginásio, etc, são tácticas que adoptamos para fazer frente aos anos que vão começando a pesar.
Oiço muitas vezes dizer que quando uma criança nasce começa logo a envelhecer. Passa-se a primeira e segunda infância, depois chega a adolescência, a juventude e a idade adulta. Aqui o processo de envelhecimento processa-se mais rapidamente e nem as plásticas, por mais bem conseguidas que sejam, conseguem travá-lo.
A minha realidade, a nossa realidade, é que vamos envelhecendo quer queiramos quer não, por mais esforços que façamos para parecer mais jovens.
A idade é uma dádiva de Deus. Sabemos que iremos sofrer um conjunto de transformações morfológicas, fisiológicas e até psíquicas que vão surgindo como consequências da acção do tempo sobre todos os seres vivos, mas o que nos diferencia deles é que somos um valor a respeitar, somos senhores de nós próprios, dos nossos actos e temos dignidade própria.
Todos nós podemos tirar partido do tempo livre que temos , da saúde que vamos gozando, de todo um conjunto de possibilidades que nos podem ajudar a sermos úteis ao nosso semelhante na comunidade em que estamos inseridas. Mesmo que no nosso corpo comecem a ser visíveis as marcas dos anos que já temos, que o nosso espírito se mantenha jovem e saibamos acompanhar as realidades do mundo que nos rodeia.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
AJUDAR, MAS COMO ?!
Vou algumas vezes visitar uma senhora amiga. Há vários anos, depois da morte dos seus pais, foi-se isolando a pouco e pouco, fechando-se em casa, evitando o convívio com as pessoas. Tem 80 anos, sem família, e a enfrentar um problema grave de saúde. Quando era nova e durante bastante tempo e enquanto a vista lho permitiu, trabalhou para fora em ponto de “ajour”. Vive na parte antiga da cidade numa casa velha e degradada. O telhado deixa entrar a água da chuva que atravessa o sobrado do sótão e lhe cai na cama. A porta da cozinha, que dá para o quintal, tem muitos vidros partidos, deixando entrar o frio. O gás já há muito acabou na botija, há pelo menos dois anos, e não a substituiu nem deixa que o façam (agora também é um perigo porque as borrachas já devem ter passado há muito o prazo de validade). Há alguns anos quiseram instalar-lhe um telefone em casa , para , em caso de necessidade, pedir ajuda. Não deixou. “Nunca tive telefone e agora também não preciso” foi a resposta.
Deixou de cozinhar mas conseguiu-se que o almoço lhe fosse servido por uma instituição de solidariedade da nossa cidade a troco duma pequena importância, pois recebe a reforma mínima. As condições higiénicas em que vive são deploráveis, mas não deixa que a ajudem a limpar a casa. A máquina de lavar a roupa funciona, mas não a utiliza …Por iniciativa própria não leva o lixo para o contentor, só com a imposição duma amiga que a ajuda nessa tarefa. Só sai de casa de manhã bem cedo para ir comprar o pão e uma vez por mês para ir aos Correios receber a pequena reforma e pagar a água e a luz.
É uma mulher que vive na solidão a que se votou e que não quer ser ajudada … Num dia frio de Inverno recusou a oferta dum termo com água quente para fazer um chá e sentir-se mais quentinha. Mas se levamos um bolo ou um doce aceita, fica contente. Vá lá !
Entretém-se a ver alguns programas da Sic mas não muda de canal com receio de mexer no comando e avariar o sistema. É bom que, pelo menos, continue a procurar esta distracção, a única que tem !
Alerto-a muitas vezes para ter cuidado porque pode ter algum acidente em casa e ali ficar sem assistência, pois os vizinhos podem não dar pela sua falta. Responde-me , quase a chorar, “O Senhor vai ajudar-me, o Senhor não me desampara…” Respondo-lhe “Deus ajuda, mas nós temos de fazer a nossa parte”.
O ano passado fui falar com o Delegado de Saúde para pedir, se possível, a sua intervenção e saber o que poderia ser feito. Ele já conhecia a situação porque, meses antes, duas técnicas de serviço social a tinham visitado. É um homem muito afável, recebeu-me bem. Depois de termos analisado toda a situação e eu lhe falar da necessidade urgente da senhora sair daquela casa, que não oferece o mínimo de condições, da possibilidade de ela ir para um lar, onde pudesse ser bem tratada, ter uma cama limpa para se deitar, refeições quentes, enfim, tudo aquilo a que o ser humano tem direito, ele disse-me, mais ou menos estas palavras : “Enquanto ela estiver lúcida, saber aquilo que quer, ninguém pode tirá-la de casa. Só com um mandato da justiça, que só é passado se ela estiver transtornada da cabeça , sem capacidade para estar sozinha”.
A senhoria da casa onde vive já lhe propôs ir habitar uma casa mais pequena, quase ao lado, que tem boas condições, só que, disse ela :”A mobília que eu tenho não cabe lá e eu não me quero desfazer dela”. Houve também a possibilidade de ir passar 15 dias a um lar, longe da Figueira da Foz e dirigido por pessoas suas conhecidas , apenas para ver se gostaria de lá ficar, mas, claro, não quis ir…
Que mais se pode fazer quando uma pessoa não deixa ser ajudada?!
“Muitas pessoas vivem nestas condições, e pior ainda, na cidade”, foi-me dito.
Será que estas pessoas estão no pleno gozo das suas faculdades mentais, têm elas a perfeita lucidez das suas incapacidades para levarem uma vida mais ou menos normal ? Porque não compreendem elas que precisam de ajuda? Eu sei que a minha amiga não se sente feliz na solidão em que vive, mas também é notório que cada vez se torna mais difícil ela sentir que tem necessidade de aceitar a ajuda que todos nós lhe queremos prestar.
Queremos ajudar, mas não sabemos como…
quinta-feira, 10 de julho de 2008
JARDINS SECRETOS
Cláudia Freitas
Revista Xis do jornal PÚBLICO
Todos nós, quando fomos crianças, desejámos ter um espaço só nosso, onde nos refugiávamos quando fazíamos alguma diabrura ou quando queríamos estar mais à vontade nas nossas brincadeiras. Alguns anos depois, o nosso quarto foi o lugar escolhido para nos isolarmos. Fechados à chave, quando ela existia… líamos algum livro que tirávamos ás escondidas da estante da sala e cuja leitura nos era proibida por não ser apropriada à nossa idade. Ali também chorámos as nossas primeiras desilusões amorosas e , olhando-nos ao espelho, procurávamos descobrir o motivo porque tínhamos sido rejeitadas. Algumas de nós confiavam as suas alegrias e tristezas ao pequeno diário que guardávamos longe dos olhares indiscretos. Lembro-me muito bem que o canto esquerdo da varanda da nossa sala, que dava para as traseiras, era o meu refúgio quando alguma coisa me assustava. Como não tínhamos jardim ou sótão, o meu quarto era o meu espaço, onde me recolhia e passava muito do meu tempo livre.
Quando adultos, temos momentos em que precisamos também dum refúgio para fugirmos aos problemas da vida, às frustrações, ao stress, às informações televisivas que nos mostram como o nosso mundo vai mal e à rotina do nosso dia-a-dia. E procuramos a mesa do café, um passeio à beira-mar , o sofá da sala, para, nós mesmos, nos recolhermos nos nossos “jardins secretos”, onde a lembrança de pequenas coisas, que guardamos dentro de nós, nos permitam que uma parte de nós fique no passado e continuemos a sonhar, mas que ao mesmo tempo, não percamos a realidade e consigamos sair do nosso alheamento e ganhar forças para enfrentarmos os desafios da vida.
segunda-feira, 7 de julho de 2008
UMA VISITA ...
Quando entro nas salas de estar o que eu vejo são idosos normalmente sentados nos sofás, silenciosos, inactivos, com expressões tristes, alguns de olhos fechados, outros olhando quem entra, esperando a visita de um familiar ou amigo, e outros completamente alheios, aguardando, talvez, com ansiedade, o momento de recolherem aos seus quartos.
Quartos individuais, penso que serão poucos nestas casas. As despesas de manutenção são elevadas e as comparticipações dos utentes reduzidas. Quartos com duas ou três camas é uma das soluções para ajudar a equilibrar os orçamentos. Nos lares lucrativos, à custa de quantias elevadas, o idoso poderá ter o seu quarto com casa de banho privativa e até, em alguns lares, uma sala de estar anexa. Por vezes é-lhes permitido levar alguns móveis e assim viverem das suas recordações. Mas poucos, infelizmente, terão acesso a estes privilégios.
Surgiu-me agora uma ideia enquanto escrevia. Os idosos, quando entram para os lares, têm de aprender a viver no seu dia-a-dia com pessoas que, certamente, na sua maioria, lhes são desconhecidas. Alguns até poderão ser pouco comunicativos, que não apreciam estar em grupo. Outros podem gostar de conviver, são faladores, amigos da brincadeira. Encontrarão eles ambiente, espaço, para a sua boa disposição ?!
Certamente que outras questões bastante importantes eu poderia considerar, mas esta situação talvez seja um dos “porquês” do estado de espírito que eu vejo transparecer no rosto desses idosos que visito.
Enquanto novos, estamos abertos à novidade, a mudar de casa, a criar novos círculos de amizades, etc., mas, com a idade a avançar, tornam-se difíceis as mudanças e no mundo que criámos é nesse que gostamos de viver.
sexta-feira, 4 de julho de 2008
ONDE ESTÃO AS FAIXAS BRANCAS DA PASSADEIRA ?
Torna-se difícil eu poder descrever com todos os pormenores o que observei. Por isso, peço a quem possa vir a ler estas linhas que tente visualizar esta situação. Certamente que chegará à mesma conclusão que eu cheguei. Aquela passadeira, como a maioria das existentes na nossa cidade, tem as faixas acinzentadas e a tinta branca, que as devia cobrir, já há muito que desapareceu. O animal ficou confuso porque foi treinado para atravessar nas passadeiras com faixas brancas. Só isto ! As nossas crianças também são ensinadas para só atravessarem as ruas nas passadeiras (com faixas brancas !). E as pessoas mais distraídas, aquelas com menos visão, e também os automobilistas, sobretudo quando conduzem à noite, poderão distinguir estas passadeiras ?!
Lembro-me que no passado, quando se aproximava a época balnear, víamos os pintores procederem à pintura das passadeiras e era agradável distinguirmos, já de longe, as riscas brancas a realçarem no escuro do asfalto.
Sabemos que a Câmara luta com dificuldades financeiras, mas será que umas latas de tinta irão sobrecarregar tanto as finanças da autarquia ?!
O que eu verifiquei foi a dificuldade de um cão, guia de um invisual, não estar à vontade para distinguir se estava ou não no caminho certo e não ter conseguido, da melhor maneira, conduzir o seu dono a chegar ao outro passeio. Não me venham dizer que a culpa foi do cão, que, talvez, ainda não esteja bem treinado para a sua tarefa. Eu não aceito essa desculpa.
O branco ressalta à vista do animal e não só. O cinzento é uma cor morta, confunde-se com o escuro do alcatrão ou dos paralelepípedos.
Fiquei muito chocada com a cena a que assisti, triste e revoltada e, por isso, fui logo ao Gabinete do Utente, na Câmara Municipal, escrever a minha “reclamação”.
quarta-feira, 2 de julho de 2008
UM SERVIÇO A CUMPRIR
Todas as segundas-feiras ali me desloco para ter uns minutos de conversa com estes doentes durante uma hora e meia a duas horas. Os meus familiares e amigos, conhecendo-me bem e sabendo que sou uma pessoa um pouco introvertida, admiram-se que eu esteja ligada a este tipo de voluntariado e, de início, sentiram-se até receosos que me afectasse emocionalmente.
Depois de vestir a minha bata amarela passo pela capela do hospital e ali me recolho durante breves momentos numa prece a Deus, pedindo que Ele ponha nos meus lábios as palavras que aqueles a quem me vou dirigir precisam de escutar. É uma tarefa que nem sempre é fácil, depende muito do estado de ânimo dessas pessoas e também da minha própria receptividade e do meu estado de espírito. Às vezes, quando do nosso primeiro encontro, sinto-me receosa, sem saber como vou ser recebida. “Será que vou incomodar” ? Digo sempre a mesma frase nessas ocasiões quando me aproximo : “Penso que é a primeira vez que nos encontramos … !” Depois as palavras começam a fluir com naturalidade. Um ponto muito importante, que quero salientar, é que eu estou ali, sobretudo, para escutar, ouvir. E muitas dessas pessoas têm tanto para dizer ! Falam da sua família, da sua experiência de vida, alguns deles, como emigrantes que foram, o que fazem no seu dia-a-dia, o que semeiam nos seus quintais e tantas outras coisas. E eu vou estando atenta, limitando-me a dizer alguma coisa quando se proporciona, e vou ouvindo, ouvindo … e aprendendo que com o sofrimento a vida passa a ter um significado diferente. As vivências do passado ajudam muito a aceitar o presente e a ganhar forças para viver as incertezas do amanhã.
Só quero dizer que, quando, por qualquer motivo, sou obrigada a faltar a estes encontros das segundas-feiras, sinto-me em dívida para com aquelas pessoas, algumas das quais, eu sei, porque me dizem, deram pela minha ausência. Fico muito feliz quando ouço essas palavras porque elas dão sentido ao meu serviço.