quarta-feira, 30 de julho de 2008

DA ERVA À ÁRVORE

“Eram dunas e dunas, a perder de vista. Montes de areia para o vento brincar…
Hoje, fazia uma duna maior aqui, amanhã apagava-a, para fazê-la mais além e, sempre segundo os seus caprichos, onde estavam montes, cavava vales, onde estavam vales, amoldava montes.
O vento era uma vassoura enorme.
Cabeleiras dóceis de ervinhas rasteiras deixavam-se pentear, despentear, ao sabor do vento gigante.
Ele é que mandava.
Uma delas à beira dum tojo só picos, cresceu.
Delgadinha que era, arriscou-se à vida. Rompera a areia e apontava para cima. Ela lá sabia.
De dentes a ranger, o vento passou. Partiu-se o tronquinho? Não se partiu. Fincava as raízes, segurava-se com toda a força e, quando o vento descia, inclinava-se à vontade dele. Tinha de ser assim.
Lá se foi aguentando. O vento, a princípio, nem dava por ela.
Era uma erva como as outras. Senhor daquelas dunas, o que ele queria era disciplina, ordem, submissão. A erva, que erva afinal não era, submetia-se. Óptimo.
Foi crescendo e o vento sem dar por ela. Era um tronco já. Uma arvorezinha de Natal para casa de bonecas. Outras ervinhas como, dantes, ela tinha sido, despontavam também, na mesma duna.
Ali havia uma pequena nação de pinheiros novos. A ordem era: persistir. Por enquanto persistir. Resistir seria para depois. E foram vingando.
Quando o vento deu por eles, teve uma grande cólera e soprou, dias a fio, sobre a duna, donde nascia, miudamente, frágil ainda, um sinal de rebeldia ao seu poder. Nada conseguiu. Os pinheiros sabiam que eram pinheiros.
Tinham raça e coragem para fazer frente ao vento.
Uns e outros, os maiores e os mais pequenos, começaram a olhar para a sombra. Alastravam para outras dunas. Guerreiros chamavam por outros guerreiros e desafiavam o vento. “Nada podes contra nós”, gritavam-lhe.
O maior, o chefe, o mais velho, que da erva se fez tronco, do tronco se fez árvore, comandava a defesa e dizia aos mais novos, nas alturas em que o vento lhes fazia ranger os ramos: “Aguentem, que já passámos por pior.” Eles aguentavam.
E foi assim que o vento, o gigante caprichoso que dantes arrasava dunas, teve de deixar de fazer castelos na areia.”

Texto de António Torrado
Revista do Jornal de Notícias
21 Março 2004
Dia da Árvore

Gostei muito desta história e li-a várias vezes, procurando pequenos pormenores que ganhavam diferentes significados. À medida que o fazia, surgiu-me a comparação entre as pequeninas ervas que iam nascendo nas dunas, fustigadas pelo vento, que teimava em derrubá-las, e cada um de nós, na nossa caminhada neste mundo. Como servos de Deus, procuramos manter bem firme a nossa fé n’ Ele, mas também, tal como as pequeninas ervas, estamos constantemente a ser sujeitos aos sopros violentos dos ventos, que nos fragilizam e fazem que vacilemos na nossa vida espiritual. Mas há duas palavras muito importantes que se destacam nesta pequena história: “ persistir” e “resistir”.
A pequenina erva, que junto dum tojo cheio de picos, foi crescendo, fortalecendo, até que se tornou num pequenino pinheiro, ao mesmo tempo que outras ervinhas começavam a desenvolver-se na mesma duna. Haviam já muitos pinheiros novos que persistiam em crescer e a resistir à cólera do vento que insistia em derrubá-los. Embora as suas rajadas se tornassem cada vez mais fortes e constantes, ele nada conseguia porque “os pinheiros sabiam que eram pinheiros” e tinham força e não temiam fazer-lhe frente.
Tal como estes pinheiros nós temos de “persistir” no crescimento da nossa fé, na nossa relação com Deus e com os outros para conseguirmos “resistir” às muitas dificuldades com que nos vamos deparando ao longo da vida. Temos de ter forças para ultrapassá-las e gritar , tal como os pinheiros ao vento: “Nada podeis contra nós”. E à medida que vamos vencendo os problemas, quando outros surgem, dizermos para nós e para os outros: “Aguentemo-nos, porque já passámos pelo pior”. Desta forma, a nossa fé sairá mais fortalecida e alicerçada Naquele que é o Senhor das nossas vidas !

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